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Escola Secundária José Saramago - Mafra

segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

O POLIGLOTA, ESSE HABILIDOSO


Imagem daqui.




«(...) Um homem só deve falar, com impecável segurança e pureza, a língua da sua terra: todas as outras as devia falar mal, orgulhosamente mal, com aquele acento chato e falso que denuncia logo o estrangeiro. Na língua verdadeiramente reside a nacionalidade; e quem for possuindo com crescente perfeição os idiomas da Europa vai gradualmente sofrendo uma desnacionalização. Não há já para ele o especial e exclusivo encanto da fala materna com as suas influências afectivas, que o envolvem, o isolam das outras raças; e o cosmopolitismo do verbo irremediavelmente lhe dá o cosmopolitismo de carácter. Por isso o poliglota nunca é patriota. Com cada idioma alheio que assimila, introduzem-se-lhe no organismo moral modos alheios de pensar, modos alheios de sentir. O seu patriotismo desaparece, diluído em estrangeirismo. Rue de Rivoli, Calle d'Alcalá, Regent Street, Wilhelm Strasse - que lhe importa? Todas são ruas, de pedra ou de macadame. Em todas a fala ambiente lhe oferece um ambiente natural e congénere onde o seu espírito se move livremente, espontaneamente, sem hesitações, sem atritos. E como pelo verbo, que é o instrumento essencial da fusão humana, se pode fundir com todas - em todas sente e aceita uma pátria.

Por outro lado, o esforço contínuo de um homem para se exprimir, com genuína e exacta propriedade de construção e de acento, em idiomas estranhos - isto é, o esforço para se confundir com gentes estranhas no que elas têm de essencialmente característico, o verbo - apaga nele toda a individualidade nativa. Ao fim de anos esse habilidoso, que chegou a falar absolutamente bem outras línguas além da sua, perdeu toda a originalidade de espírito - porque as suas ideias forçosamente devem ter a natureza incaracterística e neutra adaptadas às línguas mais opostas em carácter e génio. (...)

Além disso, o propósito de pronunciar com perfeição línguas estrangeiras constitui uma lamentável sabujice para com o estrangeiro. Há aí, diante dele, como o desejo servil de não sermos nós mesmos, de nos fundirmos nele, no que ele tem de mais seu, de mais próprio, o vocábulo. Ora isto é uma abdicação da dignidade nacional. (...) Falemos nobremente mal, patrioticamente mal, as línguas dos outros! (...)»

Eça de Queirós, A Correspondência de Fradique Mendes, Lisboa, Livros do Brasil, s/ d, pp. 130-131.



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