Antigo blogue do projeto novasoportunidades@biblioteca.esjs

Antigo blogue do projeto novasoportunidades@biblioteca.esjs, patrocinado pela Fundação Calouste Gulbenkian
Escola Secundária José Saramago - Mafra

quarta-feira, 30 de novembro de 2016

SERENA VOZ IMPERFEITA


Fotografias de André Vicente Gonçalves, daqui.



Serena voz imperfeita, eleita
Para falar aos deuses mortos -
A janela que falta ao teu palácio deita
Para o Porto todos os portos.

Faísca da ideia de uma voz soando
Lírios nas mãos das princesas sonhadas
Eu sou a maré de pensar-te, orlando
A Enseada todas as ensedas.

Brumas marinhas esquinas de sonho...
Janelas dando para o Tédio os charcos
E eu fito o meu Fim que me olha, tristonho,
Do convés do Barco todos os barcos...

Fernando Pessoa, 6.10.1914

Cartas de Fernando Pessoa a Armando Côrtes-Rodrigues, introdução de Joel Serrão, Lisboa, Livros Horizonte, 1985, p. 43.



terça-feira, 29 de novembro de 2016

POESIA DE LUÍSA CORDEIRO (4)



Tu...
mandaste-me BEIJOS
meu amor,
como quem me envia
um ramo de frescas rosas 
vermelhas
ou um perfume
com o seu suave
e fresco odor.

Tu...
mandaste-me BEIJOS
meu amor...

Luísa Cordeiro
16-11-2016 



segunda-feira, 28 de novembro de 2016

TATUAGEM

Imagem e outras informações aqui.



A exposição estará patente no Palácio Pombal, em Lisboa, a partir do dia 1 de dezembro de 2016 e até 1 de março de 2017.



sexta-feira, 25 de novembro de 2016

"ALMAS, VIDAS, PENSAMENTOS"


Amadeo de Souza-Cardoso, Os Galgos (1911).
Imagem daqui.



«LIII

Almas, vidas, pensamentos.

GLOSA

Calções, polainas, sapatos,
Percevejos, pulgas, piolhos,
Azeites, vinagres, molhos,
Tigelas, pires, e pratos:
Cadelas, galgos, e gatos,
Pauladas, dores, tormentos,
Burros, cavalos, jumentos,
Naus, navios, caravelas,
Corações, tripas, moelas,
Almas, vidas, pensamentos!»


Manuel Maria Barbosa du Bocage, "Glosas", in Obras de Bocage, Porto, Lello & Irmão Editores, 1968, p. 1090.



quinta-feira, 24 de novembro de 2016

quarta-feira, 23 de novembro de 2016

POESIA DE LUÍSA CORDEIRO (3)


O olhar tão triste daquela criança
por detrás do "muro" de arame...

Impossível 
não sentir piedade....!!!

Que mundo é este
em que esta
é a nossa verdade!!!

Que pena sinto
por esse olhar
gravado na minha mente
ser o "Ser"
destas palavras...

Não queria sentir pena,
antes queria
vê-la sorrir o sorriso da Infância
e
sentir Saudade...!!!

 Luísa Cordeiro
15-11-2016



"ERRARE HUMANUM EST"


Maria Helena Vieira da Silva, Bibliothèque (1949).
Imagem daqui.



"Errar, disse-o quem sabia, é próprio do homem, o que significa, se não é erro tomar as palavras à letra, que não seria verdadeiro homem aquele que não errasse. Porém, esta suprema máxima não pode ser utilizada como desculpa universal que a todos nos absolveria de juízos coxos e opiniões mancas. Quem não sabe deve perguntar, ter essa humildade, e uma preocupação tão elementar deveria tê-la sempre presente o revisor, tanto mais que nem sequer precisaria sair de sua casa, do escritório onde agora está trabalhando, pois não faltam aqui os livros que o elucidariam se tivesse tido a sageza e prudência de não acreditar cegamente naquilo que supõe saber, que daí é que vêm os enganos piores, não da ignorância. Nestas ajoujadas estantes, milhares e milhares de páginas esperam a cintilação duma curiosidade inicial ou a firme luz que é sempre a dúvida que busca o seu próprio esclarecimento. Lancemos, enfim, a crédito do revisor ter reunido, ao longo duma vida, tantas e tão diversas fontes de informação, embora um simples olhar nos revele que estão faltando no seu tombo as tecnologias da informática, mas o dinheiro, desgraçadamente, não chega a tudo, e este ofício, é altura de dizê-lo, inclui-se entre os mais mal pagos do orbe. Um dia, (...) qualquer corrector de livros terá ao seu dispor um terminal de computador que o manterá ligado, noite e dia, umbilicalmente, ao banco central de dados, não tendo ele, e nós, mais que desejar que entre esses dados do saber total não se tenha insinuado, como o diabo no convento, o erro tentador.

Seja como for, enquanto não chega esse dia, os livros estão aqui, como uma galáxia pulsante, e as palavras, dentro deles, são outra poeira cósmica flutuando, à espera do olhar que as irá fixar num sentido ou nelas procurará o sentido novo, porque assim como vão variando as explicações do universo, também a sentença que antes parecera imutável para todo o sempre oferece subitamente outra interpretação, a possibilidade duma contradição latente, a evidência do seu erro próprio. Aqui, neste escritório onde a verdade não pode ser mais do que uma cara sobreposta às infinitas máscaras variantes, estão os costumados dicionários da língua e vocabulários, os Morais e Aurélios, os Morenos e Torrinhas, algumas gramáticas, o Manual do Perfeito Revisor, vademeco de ofício, mas também estão as histórias da Arte, do Mundo em geral, dos Romanos, dos Persas, dos Gregos, dos Chineses, dos Árabes, dos Eslavos, dos Portugueses, enfim, de quase tudo que é povo e nação particular, e as histórias da Ciência, das Literaturas, da Música, das Religiões, da Filosofia, das Civilizações, o Larousse pequeno, o Quillet resumido, o Robert conciso, a Enciclopédia Política, a Luso-Brasileira, a Britânica, incompleta, o Dicionário de História e Geografia, um Atlas Universal destas matérias, o de João Soares, antigo, os Anuários Históricos, o Dicionário dos Contemporâneos, a Biografia Universal, o Manual do Livreiro, o Dicionário da Fábula, a Biografia Mitológica, a Biblioteca Lusitana, o Dicionário de Geografia Comparada, Antiga, Medieval e Moderna, o Atlas Histórico dos Estudos Contemporâneos, o Dicionário Geral das Letras, das Belas-Artes e das Ciências Morais e Políticas, e, para terminar, não o inventário geral, mas o que mais à vista está, o Dicionário Geral de Biografia e de História, de Mitologia, de Geografia Antiga e Moderna, das Antiguidades e das Instituições Gregas, Romanas, Francesas e Estrangeiras, sem esquecer o Dicionário de Raridades, Inverosimilhanças e Curiosidades (....)."

José Saramago, História do Cerco de Lisboa, Lisboa, Editorial Caminho, 2001, pp. 25-27.



segunda-feira, 21 de novembro de 2016

ENCONTRO E PERMANÊNCIA


Convento da Arrábida e Mata de Carvalhos.
Imagem daqui.




«REFLECTIR A CULTURA PORTUGUESA

Uma cultura minoritária, como é a cultura portuguesa, não se satisfaz na qualificação de regionalista. Ela deriva duma cumplicidade de factos que, somados, fazem uma história comum. Temos a nosso favor uma nação organizada em Estado, e este determinado por uma cultura colectiva unilinguística. A identidade é-nos dada pelo conceito de pátria e prolongada pelo privilégio de atributos exteriores, como o facto de se ser europeu, cristão e livre. A cultura é um estilo de vida. Um povo que possui uma cultura dá exemplo duma unidade de estilo que é mesura, entendimento e reflexão sobre todas as coisas. E não exactamente uma prova de memória quanto às excentricidades mentais dos indivíduos chamados "artistas". Se eu tivesse que instaurar uma realidade cultural, faria, num lugar como a Arrábida, um encontro de cultura que atraísse gente de todos os lugares do mundo; e onde se assistisse a debates, teatro, certames e discussões filosóficas, com o concurso dos melhores pensadores e autores, tanto portugueses como estrangeiros. Portugal não precisa de mudar. Precisa de se encontrar. Assim como Sagres teve uma escola náutica em tempo oportuno, deveria haver hoje uma escola de pensamento que reflectisse uma cultura portuguesa, como unidade de estilo e sensibilidade a novas perspectivas cívicas e humanas. (...)»

Agustina Bessa-Luís, Caderno de Significados, selecção, organização e fixação de texto de Alberto Luís e Lourença Baldaque, Lisboa, Guimarães Editores, 2013, p. 90.



sábado, 19 de novembro de 2016

ENCONTRO COM A ESCRITORA PAULA RUIVO

Fotografia: João Beato, aluno do 12.º PT3A

No passado dia 16 de novembro, no auditório grande da ESJS, Paula Ruivo apresentou a sua mais recente obra literária Não quero ser o que sinto...
Durante noventa minutos, a escritora falou-nos de bullying e de inteligência emocional, dois temas principais do livro.

quinta-feira, 17 de novembro de 2016

QUINTA DO MOCHO: BAIRRO SOCIAL E GALERIA DE ARTE A CÉU ABERTO


Bordalo II, Garça Real, Quinta do Mocho (Loures).
Fotografia da Professora Leonor Barros (9/ 11/ 2016).



quarta-feira, 16 de novembro de 2016

ALMEIDA GARRETT E FREI JOAQUIM DE SANTA ROSA, NO DIA DO ANIVERSÁRIO DE JOSÉ SARAMAGO


Imagem daqui.




«Almeida Garrett e Frei Joaquim de Santa Rosa

Aqui há uns meses fui convidado a botar fala sobre a situação do romance português. Não só eu, claro, porque ao dito romance não bastariam para situá-lo (ou situacioná-lo) as minhas pobres palavras e frouxas ideias. A coisa acabou por não se fazer - e certamente não se fará. De modo que meti os papéis na gaveta e ali os deixei ficar, à espera não sei de quê. Do dia de hoje, visto que hoje os retiro e trago à luz. Mas a vaidade pessoal do autor não entra nessa decisão: como o leitor verá, o miolo da crónica pertence a Almeida Garrett (que todo o português honrado conhece) e a Frei Joaquim de Santa Rosa (que tenho o gosto de apresentar).

Depois de considerações gerais sobre problemas com o romance relacionados, dizia eu que tudo isso não era mais que uma cereja do farto molho que é a situação da vida portuguesa. E, de cerejas em punho, convidava o ouvinte (e agora convido o leitor) a apreciar o sabor delas, acautelando embora os dentes, por mor dos caroços. Vejamos a primeira: Almeida Garrett, Portugal na Balança da Europa, 1830: "Diz-se - e diz-se por caluniosos inimigos, assim como por loucos amigos - que a nação portuguesa não está preparada para a liberdade. Qual é o homem ou o povo que não esteja preparado para o natural estado do homem e da sociedade? - Mas o governo representativo sem o qual, no presente estado de ser das nações, a liberdade fora castigo e flagelo, que não bênção e gozo - o governo representativo, acrescentam, requer educação própria e especial, exige ilustração no povo; e nem todos os povos estão nesse ponto; portanto nem todos preparados para receber instituições livres.

"O argumento é especioso, e como tal a muitos seduz; mas a razão o destrói, e a experiência o desmente. Quem assim argumenta parece supor um tempo, uma época prévia ao estabelecimento do governo representativo, durante o qual o povo se estivesse educando para a liberdade. Ora nesse tracto de tempo algum havia de ser o governo que esse povo regesse: e claro está que não podia ser o liberal. Era então debaixo do despotismo que o povo se estaria educando para a liberdade?"

Enquanto assimilamos este suculentíssimo fruto (que vem de 1830, não esquecer), puxo do molho a segunda cereja, colhida no pomar pouco conhecido de José Timóteo da Silva Bastos, História da Censura Intelectual em Portugal, obra publicada pela Imprensa da Universidade de Coimbra, em 1926. Trata-se da sentença da Real Mesa Censória, em 1769, caída como um cutelo sobre o livro de madame de Lafayette, A Princesa de Clèves. Escreve o censor, Frei Joaquim de Santa Rosa, e eu actualizo a linguagem: "Este livro é de natureza, e contextura de outros muitos, que já se tem proibido nesta Mesa, mandando-se sair destes Reinos: trata dos amores profanos desta Princesa: ele só pode ser útil aos mercadores, e negociantes, porque com ele extraem a nossa moeda; e aos naturais é pernicioso, não só por sua matéria, mas também porque lhes consome o tempo, que poderão empregar na lição de livros úteis e interessantes. É pois o meu parecer, que se mande sair destes Reinos, e seus Domínios. Foram do mesmo parecer os Deputados adjuntos. Lisboa, em Mesa, 10 de Fevereiro de 1769."

Passaram duzentos anos. Se o leitor é desconfiado, pensou que estes textos foram fabricados por mim, com vista sabe-se lá a que inconfessáveis fins. Quanto aos textos, é fácil: busque as obras que citei e lá os encontrará. Sobre os fins, aqui ficam eles, honestamente confessados: que Frei Joaquim de Santa Clara não bula mais nas princesas de Clèves. E, de caminho, um voto: que Almeida Garrett venha dar uma volta pela sua velha pátria; que, depois de tudo muito bem visto, possa regressar ao descanso do túmulo com um sorriso de esperança; e que vá murmurando enquanto se acomoda: "Já não é mau que se diga em 1968 o que escrevi em 1830. Vou esperar uns tempos. Sempre hei-de ver como as coisas correm."

Conclusões? O espaço é pouco para elas, e esta crónica só poderá ser rematada pelo leitor. Por si, que me está lendo. Eu apenas falei de Almeida Garrett e de Frei Joaquim de Santa Rosa.»

José Saramago, "Almeida Garrett e Frei Joaquim de Santa Rosa", in Deste Mundo e do Outro, (crónicas publicadas, pela primeira vez, no jornal A Capital - 1968-1969), 2ª edição, Caminho, s/d, pp. 155-157.




terça-feira, 15 de novembro de 2016

DA SAUDADE XXI


Imagem daqui.



"(...)

10 de Agosto

Estamos na Biscaia, e aqui andamos aos tombos entre França e Espanha, sem poder avançar para o cabo de Finisterra.


11 de Agosto

Continua o mesmo sueste, que tanto nos tem perseguido. - O que me vale é o jornal de Las Cases, com que vou entretendo o tempo, e o meu inseparável companheiro - Horácio. Que seria de mim sem estes recursos? Grande fortuna é gostar de ler. - Assim o tenho pensado sempre: não sei se com razão. E esses outros que aí vão, não os vejo eu mais satisfeitos e entretidos que eu? Todavia eles não lêem. Comem, dormem, e conversam em puerilidades. Puerilidades ou não, mais os divertem, e entretêm do que a mim os meus livros. - Quase que me lembro de crer que o hábito de ler é uma necessidade de mais que se contrai...


20 de Agosto

Estamos defronte do Porto. - Este é o céu da minha pátria. Este ar que respiro é o mesmo que respirei no momento que apareci no mundo...

(...)"

Almeida Garrett, "Viagens e Impressões - Diário da Minha Viagem a Inglaterra", in Obras de Almeida Garrett, vol. 1, Porto, Lello & Irmão Editores, 1963, p. 621.


segunda-feira, 14 de novembro de 2016

quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Palavras - KAIRÓS


Kairós, o momento propício.
Imagem daqui.



Kairós (em grego: καιρόςo momento certo ou supremo), na mitologia grega, é o deus do tempo oportuno. Kairós é referido a partir do século V a.C..

Na estrutura linguística, simbólica e temporal da civilização moderna, geralmente emprega-se uma só palavra para significar a noção de "tempo". Os gregos antigos tinham duas palavras para designar o tempo: chronos e kairós. Enquanto o primeiro se refere ao tempo cronológico ou sequencial (o tempo que se mede, de natureza quantitativa), Kairós possui natureza qualitativa, o momento indeterminado no tempo em que algo especial acontece: a experiência do momento oportuno.

Wikipédia (adapt.), daqui.


terça-feira, 8 de novembro de 2016

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

Palavras - UBUNTU


Crianças Xhosa mostram o que é ubuntu.
Imagem daqui.



Ubuntu é uma noção existente nas línguas zulu e xhosa - línguas bantu do grupo ngúni, faladas pelos povos da África Subsaariana.

A palavra Ubuntu, não traduzível diretamente, exprime a consciência da relação entre o indivíduo e a comunidade.

O conceito exprime a crença na comunhão que conecta toda a humanidade: "sou o que sou graças ao que somos todos nós".

Na esfera política, o conceito do Ubuntu é utilizado para salientar a necessidade de união e de consenso nas tomadas de decisão, assumindo-se uma ética humanista.

Wikipédia (adapt.), daqui.


quarta-feira, 2 de novembro de 2016

DA MEMÓRIA V


Imagem daqui.




«Aqueles passeios a Sintra tinham sido sempre o meu regalo. Amava as hortas, as praias, os toiros, o futebol: mas sempre que me apetecia fugir deste simulacro de Inferno aberto em Céu - Sintra comigo. Por lá andava todo o santo dia, de chapéu na mão, assobio na boca, a boa sombra, Seteais, as fontes, almoço no Lawrence (ou no Pombinha, conforme o orçamento), depois os Capuchos, as ruínas, a Pena... Cheguei mesmo a dormir uma noite, sozinho, nas ameias do Castelo dos Mouros. Foi no Verão, não há memória dum Agosto assim tão quente. A coisa mais extraordinária, nunca o hei-de esquecer, foi que o Sol se pôs no mesmo instante em que a Lua rompeu, e vinha cheia! Um espectáculo como nunca vi outro, nem sol da meia-noite, nem auroras boreais. Eram dois sóis, qual deles o maior, qual o mais vermelho, suspensos no horizonte, em lados opostos do mundo. Parecia uma alucinação ou um caso de espelhismo natural. Durante instantes tive a ilusão dum "fenómeno" ou cataclismo: o universo parava, e ficava retido entre aqueles dois bugalhos enormes de luz vermelha e baça... Depois o Sol afundou-se, e a Lua subiu, empalideceu, esfriou, fez-se uma lua de balada à Soares de Passos. Enfim, lá fiquei essa noite, e por sinal que me fartei de bater os queixos com frio, sem sobretudo, no Agosto mais quente de que rezam as lendas encantadas.

(...)

Chegado a Sintra, desentorpeci as pernas andando até à vila. O que sempre me atraía ali eram sobretudo as verduras, as sombras, as fontes, a paisagem, a altitude. Postado agora na arcaria ogival do Palácio Real, olhei o alto da Pena, e quis ter asas para galgar os penhascos, roçar os cimos do arvoredo, ir poisar naquelas torres e ameias dignas do Walt Disney. Mas, com franqueza, nem asas, nem pernas. Vista cá de baixo, da vila, a Pena pareceu-me um caso de respeito, ninho de águias, rochedo mitológico, amontoado de ciclopes exasperados, de garras crispadas, a agatanhar o céu. Como é que eu pude trepar aquilo a pé, depois da caminhada desde Lisboa, como cheguei a fazer? E o que me atraía agora lá acima, que memória, que enamorado pensamento, que secreto desejo, anseio de galgar o hiato do tempo, desgarradora saudade ou largueza de vistas? Porque era ali que a vontade me estava chamando. (...)»

José Rodrigues Miguéis, "Regresso à Cúpula da Pena", in Léah e Outras Histórias, Círculo de Leitores, 1973, pp. 110-111.