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Escola Secundária José Saramago - Mafra

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

DO NOME IX (ROCAMBOLESCO!)


Imagem daqui.



«OS ABNEGADOS

Há uma página de Os Maias que não consigo esquecer. Imaginem um ministro de Educação que não tinha cara, só tinha testa. Nem um mísero e escasso fio de cabelo. Tamanha testa foi o seu destino e sua glória. Ele não precisava ciciar uma palavra, ou desdenhar um gesto, ou piscar um olho. A testa bastava e repito: - a testa era a evidência mesma do gênio.

Uma noite, está o nosso ministro numa recepção. Cercado de damas e cavalheiros por todos os lados. E, súbito, alguém fala na Inglaterra. S. Ex.ª achou bonito o nome, o som. Inglaterra. E vira-se, então, para o Ega, que estava a dois passos. Pergunta-lhe: - "Sabe se, na Inglaterra, há folhetinistas de pulso, como aqui? Talentos como os nossos?" Primeiro, o Ega tem uma vertigem diante da testa inaudita. Em seguida, informa: - "Lá não há literatura." Diz então o ministro: - "Logo vi. Povo prático, essencialmente prático."

Eis o que eu queria dizer: - sou um pouco essa admirável testa de Os Maias. Em criança, só li folhetim. E ainda hoje, tanto tempo depois, ainda preservo a nostalgia dos Sue, dos Perez Scrich, dos Dumas pai, dos Ponson Du Terrail. Outro dia, vou a uma festinha em casa de um amigo. E, de repente, vem a dona de casa, com um pratinho. Pergunta: - "Aceita rocambole?" Esse nome arremessou-me no passado profundo. "Rocambole" era o nome de um herói de Ponson Du Terrail e título também do próprio folhetim. Disse, radiante: - "Pois não, pois não." E os dois ficaram justapostos na minha memória: - o personagem e o doce, o folhetim e o prato. (...)»

Nelson Rodrigues, O Homem Fatal, Lisboa, Espólio de Nelson Falcão Rodrigues e Edições tinta-da-china, 2016, pp. 227-228.



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