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Escola Secundária José Saramago - Mafra

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

O CÉU, O HOMEM, O ELEFANTE


Imagem daqui.



"Para maior prazer de leitura, na História Natural de Plínio, o Antigo, aconselharei que se aponte sobretudo para três livros: os dois que contêm os elementos da sua filosofia, ou sejam o II (sobre a cosmografia) e o VII (sobre o homem), e, como exemplo das suas cavalgadas entre a erudição e a fantasia, o VIII (sobre os animais terrestres). Naturalmente podem descobrir-se páginas extraordinárias por toda a parte: nos livros de geografia (III-VI), de zoologia aquática, entomologia e anatomia comparada (IX-XI), de botânica, agronomia e farmacologia (XII-XX-XII), ou sobre os metais e pedras preciosas e as belas-artes (XXXIII-XXXVII).

O uso que sempre se fez de Plínio, creio eu, é o da consulta, quer para conhecer coisas que os antigos sabiam ou julgavam saber sobre um dado assunto, quer para respigar curiosidades e estranhezas. (Sob este último aspecto, não se pode esquecer o livro I, ou seja, o sumário da obra, cujas sugestões provêm das associações imprevistas: «Peixes que têm um seixinho na cabeça; Peixes que se escondem de Inverno; Peixes que sentem a influência dos astros; Preços extraordinários pagos por certos peixes», ou então «Da rosa: 12 variedades, 32 fármacos; 3 variedades de lírios: 21 fármacos; Planta que nasce de uma sua lágrima; 3 variedades de narcisos: 16 fármacos; Planta de que se tinge a semente para nascerem flores coloridas; O açafrão: 20 fármacos; Onde se dão as flores melhores; Quais as flores conhecidas nos tempos da guerra de Tróia; Roupas que rivalizam com as flores», ou ainda: «Natureza dos metais; Do ouro; Da quantidade de ouro possuída pelos antigos; Da ordem equestre e do direito de usar anéis de ouro; (...)) Mas Plínio é também um autor que merece uma leitura dilatada, no calmo movimento da sua prosa, animada pela admiração por tudo o que existe e pelo respeito pela infinita diversidade dos fenómenos. (...)

O livro VIII, que passa em resenha os animais terrestres, inicia-se com o elefante, a que é dedicado o capítulo mais longo. Porquê esta prioridade do elefante? Porque é o maior dos animais, certamente (e o tratado de Plínio procede de acordo com uma ordem de importância que frequentemente coincide com a ordem de grandeza física); mas também e sobretudo porque, espiritualmente, é este o animal «mais próximo do homem»! «Maximum est elephas proximumque humanis sensibus», assim começa o livro VIII. De facto o elefante - explica-se logo a seguir - reconhece a linguagem da pátria , obedece aos mandamentos, memoriza as aprendizagens, conhece a paixão amorosa e a ambição da glória, pratica virtudes «raras até entre os homens» como a probidade, a prudência e a equidade, e tributa uma veneração religiosa às estrelas, ao sol e à lua. Nem uma palavra (além daquele superlativo maximum) gasta Plínio para descrever este animal (de resto figurado com fidelidade nos mosaicos da época), mas só refere as curiosidades lendárias que encontrou nos livros: os ritos e os costumes da sociedade elefantina são representados como os de uma cultura diferente da nossa mas igualmente digna de registo e de compreensão. (...)"

Italo Calvino, Porquê Ler os Clássicos, Lisboa, Editorial Teorema, 1994, pp. 39-47.



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