Antigo blogue do projeto novasoportunidades@biblioteca.esjs

Antigo blogue do projeto novasoportunidades@biblioteca.esjs, patrocinado pela Fundação Calouste Gulbenkian
Escola Secundária José Saramago - Mafra

domingo, 16 de novembro de 2014

JOSÉ SARAMAGO - 16 DE NOVEMBRO

José Saramago na Póvoa de Varzim, após o lançamento da obra Viagem a Portugal, em 1981.
Foto de Luís Severo, daqui.



"Na carreira de José Saramago, ao encontro da palavra poética segue-se o encontro do género privilegiado: o romance. Mas é essa palavra que o funda, semente lírica que faz vibrar a ideia, nessa vibração implicando o escritor que a produz, esse mesmo que é o sujeito activo do trabalho de escrita e que vimos erguer-se literariamente diante de nós com força maior nos livros de crónicas, seus traçados essenciais do caminho principal que se abriu na determinação cerrada de Manual de Pintura e Caligrafia. (...) Em 1980, com a publicação de Levantado do Chão, verifica-se que José Saramago escreve o seu primeiro grande romance, e isso não porque modifique o cânone da novelística (...) mas justamente porque, parecendo querer ir ao encontro do romance como género narrativo paradigmático, ergue afinal uma obra que desse paradigma assume o fundamental, mas onde o fundamental se transfigura pela acumulação da experiência literária anterior, intensa e diversa, disso resultando uma proposta de urdidura ficcional muito específica que imediatamente vai ao encontro da sensibilidade fascinada dos leitores contemporâneos. (...)

A nosso ver, o encontro da específica forma romanesca praticada por José Saramago é-lhe em grande parte proporcionada pela concepção do tempo. Este é o tempo da gesta (atitude activa do herói-sujeito, que o narrador quase mais não faz que contemplar, descrevendo) e o da sucessão inexorável (que destrói, mas também transformando cria); e desta conjunção entre continuidade temporal e intervenção humana vai Saramago extrair uma noção de alteridade que, arrancada à sua marca simbolista de patologia e impossibilidade e à conotação de um plural indeciso de escolhas e certezas veiculada (...) pela sucessão dos modernismos, é a proposta de diálogo entre todo o diverso, ou melhor, de conjunção acertada e dramática das várias condições que situam o homem no mundo, seu entrecruzar doce e fecundo, sua irreparável desarmonia que se deplora e compensa em literatura. (...)

Esta forma-romance vai ter uma realização ímpar nesse que é já um dos textos mais célebres da literatura portuguesa de todos os tempos: Memorial do Convento (1982). É este texto que vem clarificar as condições teóricas da capacidade que a literatura tem de representar o mundo, na concepção romanesca de José Saramago. (...) Memorial do Convento, que relata a gesta dos operários setecentistas que construíram o Convento de Mafra - por determinação do rei que, vendo satisfeito o seu desejo de conseguir um herdeiro, o manda edificar em obediência a voto religioso -, vai ocupar-se também do feito singular, relativamente anedótico mas inaugural, da construção da «Passarola» pelo Pe. Bartolomeu de Gusmão. (...)"

Maria Alzira Seixo, O Essencial sobre José Saramago, Lisboa IN-CM, 1987, pp. 38-42.


Sem comentários:

Enviar um comentário