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Escola Secundária José Saramago - Mafra

terça-feira, 12 de novembro de 2013

SALOIOS V


Casa saloia.
Imagem daqui.
 
 

“Inaugurado o romantismo, não parece facil decidir a qual dos seus dois primaciais corifeus, Almeida Garrett, e Alexandre Herculano, cabe a prioridade do cultivo da novela, pois que, se o primeiro começou a publicar em 1843 na Rev. univ. lisbon., t. II, as Viagens na Minha Terra, onde há um esbôço de romance, Joaninha, ou a «menina dos rouxinois», o segundo trouxe a lume em igual ano no Panorama, 2ª serie, t. II, o princípio do Parocho da aldeia (nova edição nas Lendas: 1851). (…)
Nas Viagens de Garrett contempla o etnografo panoramas do Ribatejo, e entre outras particularidades encontra na descrição de Santarem uma versão da xácara popular de Santa Iria. (…)
Herculano produziu igualmente romances e contos de caracter historico. Omite-se agora a menção d’eles (…). Só do Parocho pertence falar.
A acção passa-se nos Saloios, e do caracter d’eles e de suas industrias caseiras, tão proveitosas á capital, nos entretem o circunspecto escritor. Em volta dos verdadeiros herois do romance, o paroco, Bernardino, Manuel da Ventosa, magistralmente desenhados, circulam figuras secundarias, que apresentam, ainda que ás vezes só de relance, feições não pouco tipicas e curiosas que o etnografo muito gostará de conhecer, por exemplo, a ama do padre, o sacristão, o garoto que toca o sino. Herculano aplica intenso cuidado á observação da alma e vida popular, isto é, aos sentimentos, linguagem, costumes, como o mostra em referencias a danças, trajos, comidas, uso de rapé, medidas do tempo, na particularização de multiplos gestos, expressões de uso comum, por exemplo: ... segredo em boca de rapaz, outros dizem de mulher... é manteiga em nariz de cão..., (…) ... pôr tudo ao olho do sol.., (…) ás vezes até transcrevendo-as foneticamente, v. g. assaluto (absoluto), (…)Graviel, «segundo a mais euphonica pronuncia saloia», (…) Chico, (…). Ha sufocante apêrto de gente numa igreja em dia de festa, e umas mulheres vão passando de per meio: «dê licença!..., ai, que me pisou!...», perdoe!..., não vê!: «eis o que se ouviu murmurar por alguns instantes» (…). Como não amaria as cousas do povo quem do povo proviera? Como não as exporia com exactidão quem tão preparado genio possuia para o descobrimento da verdade historica? Da concorrencia d’estas duas circunstancias nasceu, já a aparencia de realidade que, á parte acidentais objurgações filosoficas contra o seculo, o romance patenteia, já deleite artistico para as almas sensiveis.”
José Leite de Vasconcelos, Etnografia Portuguesa, Vol. I, 1ª ed. 1933, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1980, pp.177-178.

 

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