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Escola Secundária José Saramago - Mafra

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

DA SAUDADE X

Imagem daqui.
 
 

A RAINHA DE KACHMIR
 

O vestido de noivado
da rainha de Kachmir
era a diamante bordado
como o luar num terrado!...
Parecia o Céu estrelado,
ou a visão de um faquir,
o vestido de noivado
da rainha de Kachmir.

 
Se é a Via Láctea, em suma,
não há olhar que destrince!...
Nenhuma vista, nenhuma
jurará se é neve ou pluma,
se é leite, ou astro, ou espuma,
nem o próprio olhar do Lince…
Se é a Via Láctea, em suma,
Não há olhar que destrince!

 
Levava, nas mãos patrícias,
leque de rendas e sândalo…
Oh! que mãozinhas… delícias
para amimar com blandícias,
para beijar com carícias,
que adorariam um Vândalo…
Levava, nas mãos patrícias,
leque de rendas e sândalo.
 
 

Cor da lua, os sapatinhos
eram mais subtis que o leque!...
Seu manto, púrpura e arminhos,
não rojava nos caminhos,
pois sua cauda, aos saltinhos,
levava-a um núbio moleque.
Cor da lua, os sapatinhos
eram mais subtis que o leque!

 
Eis que, no meio da boda,
entrou um moço estrangeiro…
Calou-se a alegria doida
da grande assembleia, em roda!
E a brilhante sala toda
fitou o jovem romeiro.
Eis que, no meio da boda,
entrou um moço estrangeiro…

 
Pegou no copo, com graça,
e brindou, em língua estranha…
E a rainha, a vista baça,
como a um punhal que a trespassa,
encheu de prantos a taça,
e o seu lenço de Bretanha…
Chorou baixo, ao ouvir, com graça,
esse brinde, em língua estranha!
 
 

Encheu de pranto o vestido,
encheu de pranto os anéis…
E, sem soltar um gemido,
chorou, num pranto sumido,
o seu passado perdido,
os seus amores tão fiéis!...
Encheu de pranto o vestido
encheu de pranto os anéis…
 
 

Quem era o moço viajante
que fez turbar a rainha?...
Era o seu primeiro amante,
tão leal e tão constante,
que, do seu reino distante,
brindar ao Passado vinha…
Tal era o moço viajante,
que fez turbar a rainha.

 
Saudades de amor quebrado
fazem lágrimas cair!
Por um brinde ao amor passado,
ficou de pranto alagado
o vestido de noivado
da rainha de Kachmir.
Saudades de amor quebrado
fazem lágrimas cair!...

Gomes Leal (Lisboa, 1848-1921) in Maria Alzira Seixo, Os Poemas da Minha Vida, Porto, Público, 2005, pp.33-35.


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