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Escola Secundária José Saramago - Mafra

quarta-feira, 5 de junho de 2013

O LEGADO DA POESIA ÁRABE EM PORTUGAL


Imagem daqui. 



“É ao considerarmos as destruições de manuscritos árabes – no nosso território não subsistiu nem um único dos tempos andalusinos – levadas a cabo pela intolerância religiosa e pelo decurso do tempo, que nos espantamos ao constatar quantos nomes de figuras luso-árabes ilustres que chegaram até nós. De muitos deles perdurou, não apenas o nome, mas também a obra, ou parte dela, graças a manuscritos esquecidos em velhas bibliotecas, de Fez a Istambul. Não fora essa circunstância e os árabes filhos do nosso território não passariam de nebulosos fantasmas iguais aos das lendas, sem rosto e, quase sempre, sem nome. (…)
O gosto pela poesia era, nesses tempos, de tal maneira marcante que os árabes não deixavam de incluir versos em qualquer tipo de obras, versassem elas sobre Gastronomia, Medicina, Agricultura, Astronomia, Matemática ou, obviamente, Literatura.
Se em todas as culturas a poesia é o imo das Belas-Letras, na cultura muçulmana essa é uma verdade desde sempre corporizada interiormente pelos árabes. Como diz Burckhardt (La Civilización Hispano-Árabe), «as línguas tendem a empobrecer-se com o decurso do tempo e não a enriquecer-se, e a riqueza original, não desgastada com o passar do tempo, que possui a língua árabe, manifesta-se precisamente na imensa riqueza de palavras e possibilidades expressivas; ela é capaz tanto de designar um só objecto com vários termos, focando-o de diferentes perspectivas, como de compreender através de um só termo vários significados de coordenação interior mútua sem jamais ser ilógica.»
O árabe beduíno do deserto, que fundou as matrizes da civilização muçulmana, não tinha outra riqueza senão a língua. Por isso estimou-a, primeiro enquanto potencial poético, e depois como idioma sagrado, com o advento do Islão. Os andalusinos, uns árabes de origem e outros arabizados, mantiveram esta dinâmica e este culto do verbo legando-nos milhares de obras poéticas, algumas das quais figuram entre os maiores momentos da criação literária da Humanidade.
Portugal tem o privilégio de contar entre os filhos do seu território muitos dos mais notáveis poetas que o Alandalus produziu. O seu riquíssimo legado deu lugar, inclusive, a novas morfologias literárias que vieram a contribuir para o surgimento da lírica trovadoresca, após a conquista cristã. O génio peculiar dos árabes andalusinos criou, com efeito, a muwashshaha e o zajal, géneros estróficos desconhecidos da poesia árabe clássica, o que dá testemunho dos processos de osmose cultural entre as tradições árabe e românica.
O tema da saudade, fundador da lírica portuguesa, é filiável, em nossa opinião, no lamento de amor (nasib) da ode (qasîda) árabe. (…)
Se, por outro lado, considerarmos a incomparável mais-valia da poesia portuguesa relativamente a todas as outras modalidades da nossa literatura, e o jeito improvisador do nosso povo para as «rimas», exactamente como sucede entre os árabes, difícil de torna excluir uma parentela espiritual nesse domínio.”
Adalberto Alves, A Herança Árabe em Portugal, CTT Correios de Portugal, 2001, pp.65-69.

 

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