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Escola Secundária José Saramago - Mafra

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

A CULTURA COMO TRAÇO DE UNIÃO...



Imagem daqui.

“Estão na moda as reflexões em torno do futuro de Portugal. Sempre me pareceram uma ilusão perigosa. Leitor impenitente dos clássicos, desde os humanistas que meditaram acerca do camoniano «desconcerto do mundo» até aos neo-garrettianos, aos integralistas e aos seareiros, partilho de muitas das ideias de António Sérgio e penso que um pouco de racionalismo e de consciência do presente nos evitaria a tentação, um tanto sebástica, de mitificar o futuro, como se os Portugueses não houvessem de encontrar, no dia a dia, caminhos superadores das várias crises que sobre eles periodicamente se abatem. É no presente, e pelo presente, na avaliação ponderada das possibilidades ao nosso alcance, que temos de procurar a Aufhebung hegeliana, superadora das tensões e antinomias tradicionais (do tipo esquerda/ direita, mais Estado/ menos Estado, diálogo/ bloqueio, passado-recente/ passado-remoto, etc.); pois, enquanto os Portugueses esbanjam tempo, energias e dinheiro em questiúnculas caseiras, outros povos derrubam muros, traçam planos, cumprem metas, guiam-se friamente por objectivos programados, progridem enfim, aliás com o mesmo espírito com que o Infante D. Henrique levou avante os Descobrimentos, Egas Moniz alcançou o Prémio Nobel e o Prof. Moniz Pereira preparou os Carlos Lopes e as Rosas Motas. O aviso mais sério aos Portugueses, que ouvimos nos últimos tempos, fê-lo um economista estrangeiro, Michael Porter, ao recomendar a Portugal que tivesse cuidado com as rupturas bruscas na sua tradição secular. (…)
Não há cultura fora do ecossistema onde ela se enraíza, cresce e dá frutos. Isto disse, por outras palavras, o avozinho Garrett, quando, nas páginas das Viagens na Minha Terra, descreveu a decadência de Santarém, certamente com o pensamento em Portugal. Sentiram-no os intelectuais da Geração de 70, sobretudo Eça, Ramalho e Teófilo. Perceberam-no os neo-garrettianos finisseculares, intuíram-no os integralistas maurassianos (…), mas talvez ninguém melhor do que Miguel Torga, ao longo de mais de meio-século, tenha sabido despertar-nos para esta realidade, sobretudo nas páginas do seu Diário.
O valor cultural que podemos acrescentar à Europa passa por uma espécie de adaptação do país económico e tecnológico ao país cultural. As transformações ocorridas na sociedade portuguesa dos últimos vinte anos, em domínios tão significativos como a educação e o ambiente, a informática e as telecomunicações, impõem um reexame aprofundado das nossas possibilidades de sobrevivência como nação culturalmente independente. Precisamos, enfim, como sugeria o Prof. Manuel Antunes pouco antes de morrer, de repensar Portugal à luz de novas realidades internas e externas. Desafio tanto mais fecundo e aliciante quanto é verdade que a questão cultural tenderá a ser, cada vez mais, não um factor de divisão, mas um traço de união entre os Portugueses.”
1994
Artur Anselmo, “Para uma ecologia da cultura”, in Ler é Maçada, Estudar é Nada, Lisboa, Guimarães Editores, 2008, pp.115-119.

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