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Escola Secundária José Saramago - Mafra

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

SUGESTÃO DE LEITURA (27)


(...) - O que vou dizer é difícil. Deve compreender... Enfim para não estarmos com prólogos, arreio a trouxa e falo com o coração na mão.
Tossi, encalistrado:
- Está aí. Resolvi escolher uma companheira. E como a senhora me quadra... Sim, como me engracei da senhora quando a vi pela primeira vez...
Engasgei-me. Séria, pálida, Madalena permaneceu calada, mas não parecia surpreendida.
- Já se vê que não sou o homem ideal que a senhora tem na cabeça.
Afastou a frase com a mão fina, de dedos compridos:
- Nada disso. O que há é que não nos conhecemos.
- Ora essa! Não lhe tenho contado pedaços da minha vida? O que não contei vale pouco. A senhora, pelo que mostra e pelas informações que peguei, é sisuda, económica, sabe onde tem as ventas e pode dar uma boa mãe de família.
Madalena foi à janela e esteve algum tempo debruçada, olhando a rua. Quando se voltou, eu passeava pela sala, enchendo o cachimbo.
- Deve haver muitas diferenças entre nós.
- Diferenças? E então? Se não houvesse diferenças, nós seríamos uma pessoa só. Deve haver muitas. Com licença, vou acender o cachimbo. A senhora aprendeu várias embrulhadas na escola, eu aprendi outras quebrando a cabeça por este mundo. Tenho quarenta e cinco anos. A senhora tem uns vinte.
- Não, vinte e sete.
- Vinte e sete? Ninguém lhe dá mais de vinte. Pois aí está. Já nos aproximámos. Com um bocado de boa vontade, em uma semana estamos na igreja.
- O seu oferecimento é vantajoso para mim, seu Paulo Honório - murmurou Madalena. - Muito vantajoso. Mas é preciso reflectir. De qualquer maneira, estou agradecida ao senhor, ouviu? A verdade é que sou pobre como Job, entende?
- Não fale assim, menina? E a instrução, a sua pessoa, isso não vale nada? Quer que lhe diga? Se chegarmos a acordo, quem faz um negócio supimpa sou eu. 

RAMOS, Graciliano - São Bernardo. Lisboa: Caminho. 1999. 157 p. ISBN 972-21-0540-X

Livro disponível na BE.

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