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Escola Secundária José Saramago - Mafra

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

RESISTÊNCIA PASSIVA

José Miguel Silva
Imagem daqui.

RESISTÊNCIA PASSIVA
Passa uma pluma de dente-de-leão,
hesita num joelho, cai, demora-se
num gume de jacinto, parece e não
parece ter vontade própria. Uma vespa
vem do nada, perfeita e acesa, enfia-se
num buraco de adobe, ninguém a viu;
desliza uma caneta sobre papel amarelo.
Do outro lado do rio ribomba o comboio,
num grito de gente moída, tão arcaico
e de lata como a felicidade; as abelhas
sabem que não foi um trovão, e isso
lhes basta, na tarde de jasmim em festa
e sol a pique. Entra um azul de libelinha,
as rãs preparam o ataque, mas a gata dá
dois passos e altera o status quo. Silêncio.
Então o vento muda e traz um coro
de patos, cão agrilhoado, galo triunfante.
E tudo se aquieta de novo, como os peixes
à boca do estio, que ignoram predadores
e amolecem como budas em seu lodo
protegido. A luz começa a perder peso,
já não é o que era, seria altura de se ver
um milhafre – ali está ele. E este ruído
que sobe agora da infância chama-se cuco.
Uma borboleta cor de barro decide arriscar
e tremula entre os espinhos da buganvília,
sai por cima. Nada acontece, nada de mais,
e a vida, a luta, continua. Tempo passa.
José Miguel Silva, Serém, 24 de Março, Lisboa, Averno, 2011, pp. 32-33.
 

1 comentário:

  1. Esta “Resistência passiva” fez-me lembrar a máscara que usamos para ocultar nossas emoções, motivações ou entusiasmos, ou o contrário, a máscara que usamos para numa dada situação onde nada disto existe fazermos de conta que existem em sobra, em suma fez-me lembrar a falsa apatia ou o falso ânimo, a FALSIDADE.
    Vivemos paralisados pela realidade que percebemos, que vivemos, mesmo quando dizemos que não nos deixamos submeter perante a desilusão provocada por todas as maldades. Os tempos mudam, as pessoas mudam e na maioria começam a sucumbir aos prazeres maliciosos, da ignorância, da discórdia e acima de tudo da HIPOCRISIA.
    Eu questiono e perplexa fico ainda, com a facilidade com que nos entregamos, sem pudor e insensivelmente à obscuridade, como se todos os meios justificassem os fins e ainda adotamos esta filosofia à nossa forma de viver. A ascensão a pés rápidos é o nosso reflexo, a nossa pureza corrói-se e corrói-nos no interior.
    E que ninguém se ofenda, antes de efetuar uma autoanálise sincera e verdadeira, com o “NÓS”. Umas vezes porque a tal somos “obrigados”, outras porque nos convém, outras… por qualquer outra razão. Não se ofendam mesmo, pois tal como Edmund Burke disse: “A única coisa necessária para o triunfo do mal é que os homens bons não façam nada.” Será que sempre fazemos tudo, ou na maioria das vezes não fazemos mesmo nada?!

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