Antigo blogue do projeto novasoportunidades@biblioteca.esjs

Antigo blogue do projeto novasoportunidades@biblioteca.esjs, patrocinado pela Fundação Calouste Gulbenkian
Escola Secundária José Saramago - Mafra

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

AUTORRETRATO DE MIGUEL TORGA

Ginásio Leopoldinense, Minas Gerais, Brasil.
Imagem daqui.
 

“Miguel Torga
Nasceu em 1907 em S. Martinho de Anta, Trás-os-Montes.
Casado.
Altura: um metro e 77.
Magro como um espeto.
Perfil de contrabandista espanhol.
Médico.
Anda que se desunha.
Fuma, sobretudo quando está com os amigos ou quando escreve.
Gostava de ser pintor, e chegou mesmo a pintar um auto-retrato, que atirou ao mar, no Portinho da Arrábida.
Vai muito ao cinema, e ri-se perdidamente com os desenhos animados.
Só ajudou uma vez a mulher a enxugar a louça, e há dez anos que lhe mata o bicho do ouvido com essa avaria.
Na sua biblioteca, pequena porque não cabem mais livros na exígua casa da Estrada da Beira, em Coimbra, onde mora, contém o essencial das principais leituras do mundo.
Em pintura moderna admira Picasso, Siqueiros, Orozco e Portinari.
Tira o chapéu a Euclides da Cunha e a Machado de Assis.
Gosta de música, particularmente de Bach.
Mas do que gosta a valer, é de calcorrear os montes do seu Douro transmontano e os pauis dos campos do Mondego à caça de perdizes e de narcejas.
Nunca fez uma tratantice a um colega das letras, em compensação, têm-lhe feito muitas.
Entre os autores que venera: Dostoiewski, Proust, Cervantes, Unamuno e Melville.
É contra os caçadores de autógrafos, contra os álbuns, contra a publicidade.
O “contra” é mesmo do seu forte.
Gosta da solidão, e preza muito quem lha respeita.
Não acredita em fantasmas.
Anda sempre a morrer, e não há ninguém que gaste mais energia.
Se pudesse recomeçar a vida gostaria de ser mais poeta ainda.
Um dos seus títulos de glória é ter passado a adolescência no Brasil (Leopoldina – Minas).
Vive pelos nervos.
Não há ninguém mais amigo dos seus amigos, e tão mal compreendido por eles.
A arte para ele não é uma ambição: é um destino.
A sua terra é para ele como para uma planta: sítio de deitar raízes.
Tinha 20 anos quando escreveu o primeiro livro, que se chama Ansiedade.
Poetas brasileiros que admira: Manuel Bandeira, Cecília, Ledo Ivo.
Romancistas brasileiros que admira: Graciliano, Lins do Rego e Jorge Amado.
Gosta dos deuses pagãos, a quem tem cantado nas suas Odes.
Mas não conta com eles para o dia da morte, que teme como uma noite sem madrugada.”
João Céu e Silva, Uma Longa Viagem com Miguel Torga, Porto, Edições ASA II, S. A., 2007, p. 234.
 

Sem comentários:

Enviar um comentário