Antigo blogue do projeto novasoportunidades@biblioteca.esjs

Antigo blogue do projeto novasoportunidades@biblioteca.esjs, patrocinado pela Fundação Calouste Gulbenkian
Escola Secundária José Saramago - Mafra

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

MIGUEL TORGA

Miguel Torga, São Martinho de Anta, Vila Real: 12 de agosto de 1907 - Coimbra, 17 de janeiro de 1995
Foto daqui.


Coimbra, 8 de Outubro de 1963 – A longa experiência de médico vai-me servindo para não desesperar deste letargo nacional. Os corpos colectivos, como os individuais, entregam-se de quando em quando a uma espécie de volúpia abúlica, de morte aparente, que parece sem remédio. Mas no íntimo das células o metabolismo continua. E à hora menos pensada o moribundo abre os olhos, fala, reage, e retoma a sua vida normal.
Também as pátrias se erguem às vezes do caixão.”
Miguel Torga, Diário, vol. X, in Diário, vols. IX a XVI, Lisboa, 2ª edição integral, Publicações Dom Quixote, 1999, pp. 1044-1045.
 
 

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

MIGUEL TORGA E FERNANDO PESSOA

Carta de Fernando Pessoa a Miguel Torga
Imagem daqui.
 


“O universal é o local sem paredes.”
Miguel Torga, “Trás-os-Montes no Brasil”, Traço de União, in Ensaios e Discursos, Lisboa, 1ª edição conjunta,
Publicações Dom Quixote, 2001, p.147

“Torga, que se declarou religioso como qualquer homem tende naturalmente a ser (como afirmou numa entrevista), nunca foi ortodoxo em relação a credo nenhum. (…) Mas, como confessou, não era ateu. A mesma confissão fez Fernando Pessoa, mais velho do que ele dezanove anos, que tomou São Francisco de Assis como modelo de Alberto Caeiro, a quem chamou mesmo «o São Francisco de Assis do novo paganismo». Uma comparação entre os dois Meninos Jesus que ambos criaram, um em Bichos, no conto “Jesus”, o outro no oitavo poema do «Guardador de Rebanhos», confirma profundas afinidades: em ambos, a mesma humanização do divino que deixa de residir no Céu (donde foge, como diz Caeiro) para vir brincar com os meninos da sua idade e esfolar os joelhos no real quotidiano. Assiste-se, no conto, ao milagre do nascer de uma nova vida a desabrochar de um ovo (tabernáculo do único mistério, o da Vida) que o menino tirou de um ninho. O mistério e o milagre aparecem, assim, como realidades do dia-a-dia, e não acenos de um outro plano superior, mansão de um deus transcendente. No poema do «Guardador de Rebanhos», Caeiro vê «Cristo descer à terra» e reincarnar numa «criança bonita de riso natural» que vive na sua aldeia e é, para ele, «o divino que sorri e brinca». A lição de Alberto Caeiro e desse «paganismo novo» de que foi feito Mestre é a mesma que a de Miguel Torga, embora este se não tivesse aplicado, como Pessoa, a criar um qualquer movimento para propor as suas convicções. (…)
A lição do Mestre Alberto Caeiro, a quem Álvaro de Campos chamou «espírito humano da terra materna», é precisamente a da raiz, a de viver no rés-do-chão do real, antepondo a matéria ao espírito, o corpo à alma. Acontece que esta «raiz, ligação directa com a terra» que Pessoa não tinha – e quis aprender a ter através de Caeiro – foi sempre natural tropismo de Miguel Torga, presente em toda a sua obra. (…)
Em 1936, ainda sob a emoção da morte de Pessoa (que registou no Diário), Torga escreve os seus Poemas Ibéricos, com Mensagem no horizonte. Mas a epopeia torguiana afirma-se pela sua diferença: a pátria de que se sente filho é mais vasta que a de Pessoa, é a Ibéria toda, a sua «terra esbraseada». Para Pessoa a pátria é uma alma e uma realidade virtual: «Nós, Portugal, o poder ser»; para Torga é, sobretudo, um corpo – o materno corpo a que o bicho que somos se agarra, com unhas e dentes.
Estes Poemas Ibéricos não cantam, como os da Mensagem, a gesta dos Descobrimentos, pelo contrário, denigrem o mar, «essa sereia rouca e triste», que nos atraiu para nos trair. Pessoa exalta a distância, «a proibida azul distância», Torga condena a ambição ou o louco impulso que leva o homem para longe desse chão em que, como bicho da terra que é, se deve cumprir. É assim que reduz D. Sebastião a um louco perdido pela sua mania de grandeza (Pessoa fá-lo exclamar: «Louco, sim, louco, porque quis grandeza»). (…)
Há (…) duas pátrias, para Torga: um chão de terra e a fala. Torga cita Junqueiro, no Diário, que afirmou, bem antes de Bernardo Soares, «a língua é uma pátria». E é essa profunda convicção que o faz escrever no último volume do Diário: «sou também brasileiro, angolano, moçambicano, goês, macaense, caboverdeano, guinéu, timorense e cidadão de todos os mundos por nós descobertos e por descobrir […]».
A verdade é que na pátria-língua do homem de cultura que Miguel Torga sempre militantemente foi não cabem discriminações de nuclear ou periférica terra ou mar, dentro ou fora.”
Teresa Rita Lopes, “Traves Mestras do Edifício Torguiano”, in Agenda 2007 – Miguel Torga, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2006.


terça-feira, 25 de setembro de 2012

DA SAUDADE I

Imagem daqui.
 

“E pois parece que lhes toca mais os Portugueses, que a outra nação do mundo, o dar-lhe conta desta generosa paixão, a quem somente nós sabemos o nome, chamando-lhe saudade, quero eu agora tomar, sobre mim esta notícia. Floresce entre os Portugueses a saudade por duas causas, mais certas em nós que em outra gente do mundo; porque de ambas essas causas tem seu princípio. Amor e ausência são os pais da saudade; e como nosso natural é, entre as mais nações, conhecido por amoroso, e nossas dilatadas viagens ocasionam as maiores ausências; de aí vem, que donde se acha muito amor e ausência larga, as saudades sejam mais certas, e esta foi sem falta a razão porque entre nós habitassem, como em seu natural centro. Mas porque tenho por certo que fui eu o primeiro neste reparo, parece que não será repreensível que me detenha algum tanto, por fazer anatomia em um afecto; o qual, ainda que padecido de todos, não temos todavia averiguado se compete às injúrias, ou aos benefícios, que do amor recebem os humanos; (…)

É a saudade uma mimosa paixão da alma, e por isso tão subtil, que equivocamente se experimenta, deixando-nos indistinta a dor da satisfação. É um mal, de que se gosta, e um bem, que se padece: quando fenece, troca-se a outro maior contentamento, mas não que formalmente se extinga: porque se sem melhoria se acaba a saudade, é certo que o amor e o desejo se acabarão primeiro. Não é assim com a pena; porque quanto é maior a pena, é maior a saudade, e nunca se passa ao maior mal, antes rompe pelos males; conforme sucede aos rios impetuosos, conservarem o sabor das suas águas, muito espaço de misturar-se com as ondas do mar, mais opulento. Pelo que diremos que ela é um suave fumo do fogo do amor, e que do próprio modo que a lenha odorífera lança um vapor leve, alvo e cheiroso, assim a saudade, modesta e regulada, dá indícios de um amor fino, casto e puro. Não necessita de larga ausência; qualquer desvio lhe basta, para que se conheça. Assim prova ser parte do natural apetite da união de todas as coisas amáveis e semelhantes; ou ser aquilo falta, que da divisão dessas coisas procede. Compete por esta causa aos racionais, pela mais nobre porção que há em nós; e é legítimo argumento da imortalidade de nosso espírito, por aquela muda ilação, que sempre nos está fazendo interiormente, de que fora de nós há outra coisa melhor que nós mesmos (…); sendo esta tal a mais subida das saudades humanas, como se disséssemos: um desejo vivo, uma reminiscência forçosa, com que apetecemos espiritualmente o que não havemos visto jamais, nem ainda ouvido, e temporalmente, o que está de nós remoto e incerto; mas um e outro fim, sempre debaixo das premissas de bom e deleitável. Esta é em meu juízo a teórica das saudades, pelos modos que, sem as conhecer, as padecemos, agora humana, agora divinamente.”
D. Francisco Manuel de Melo, Epanáforas de Vária História Portuguesa, excerto da Epanáfora Amorosa III, 1660, in Filosofia da Saudade, Seleção e Organização de Afonso Botelho e António Braz Teixeira, Coleção Pensamento Português, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1986, pp. 19-20.


segunda-feira, 24 de setembro de 2012

O COMEÇO DO OUTONO

Foto daqui.
 

“Portugal é mediterrâneo por natureza,
atlântico por posição.”
Pequito Rebelo, A Terra Portuguesa, Lisboa, 1929, p. 5,
citado por Orlando Ribeiro

 
“Um momento, na Primavera, quando os trigais brilham ao sol e há matizes preciosos de vermelho, roxo e amarelo entre a seara que amadura, o Alentejo veste-se de uma beleza própria. Depois da ceifa, uma luz baça e crua abate sobre o restolho amarelado. Ao meio do dia o calor é sufocante. No monte dorme-se a sesta; as paredes caiadas reverberam a luz e ferem a vista. Os gados, imóveis, sofrem do calmázio. O zangarreio da cigarra é o único ruído de ser vivo: tudo o mais se queda amodorrado. Os olhos procuram em vão o repouso de um quadrado de verdura. As folhas das árvores estão coriáceas, amareladas, e os ramos, muito aparados, quase não abrigam da ardência do Sol. Por isso,
Alentejo não tem sombra
Senão a que vem do céu…
Mas esta só chega quando as nuvens do equinócio anunciam o começo do Outono.”
Orlando Ribeiro, Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico, Lisboa, Livraria Sá da Costa Editora, 1998, p. 159.


sexta-feira, 21 de setembro de 2012

PLANO NACIONAL DE CINEMA

Imagem daqui.
 

Numa iniciativa conjunta da Secretaria de Estado da Cultura e do Ministério da Educação e Ciência, surge agora, a par do Plano Nacional de Leitura, o Plano Nacional de Cinema. O ano letivo de 2012-2013 será o ano-piloto, contando com a participação de algumas Escolas.

Apresenta-se a lista dos filmes selecionados para este primeiro ano de aplicação do Plano Nacional de Cinema:

 
Programa para o 5º ano:
- "Estória do Gato e da Lua", de Pedro Serrazina (Portugal, 1995)
- "O Estranho Mundo de Jack", de Tim Burton (EUA, 1993)
- "A Bola", de Orlando Mesquita Lima (Moçambique, 2001)
- "Com Quase Nada", de Margarida Cardoso e Carlos Barroco (Portugal e Cabo Verde, 2000)
- "Aniki-Bobó", de Manoel de Oliveira (Portugal, 1942)

Programa para o 6º ano:
- "As coisas lá de Casa", de José Miguel Ribeiro (Portugal, 2003)
- "O Garoto de Charlot", de Charles Chaplin (EUA, 1921)
- "ET, o Extraterrestre", de Steven Spielberg (EUA, 1982)
- "Diz-me Onde Fica a Casa do Meu Amigo", de Abbas Kiarostami (Irão, 1987)

Programa para o 7º ano:
- "História Trágica com Final Feliz", de Regina Pessoa (Portugal, 2005)
- "A Noiva Cadáver", de Tim Burton (EUA, 2005)
- "Saída de Pessoal Operário da Camisaria Confiança", de Aurélio da Paz dos Reis (Portugal, 1896)
- "A Invenção de Hugo", de Martin Scorsese (EUA, 2011)
- "Serenata à Chuva", de Stanley Donen (EUA, 1852)

Programa para o 8º ano:
- "Shane", de George Stevens (EUA, 1953)
- "Adeus, Pai", de Luís Filipe Rocha (Portugal, 1996)
- "Eduardo, Mãos de Tesoura", de Tim Burton (EUA, 1990)

Programa para o 9º ano:
- "Romeu + Julieta", de Baz Luhrmann (EUA, 1996)
- "A Suspeita", de José Miguel Ribeiro (Portugal, 1999)
- "O Barão", de Edgar Pêra (Portugal, 2011)
- "Um Outro País", de Sérgio Tréfault (Portugal, 1999)

Programa para o 10º ano:
- "Persépolis", de Marjane Satrapi e Vincent Paronnaud (França, 2004)
- "A Noite", de Regina Pessoa (Portugal, 1999)
- "Douro, Faina Fluvial", de Manoel de Oliveira (Portugal, 1931)
- "Jaime", de António Reis (Portugal, 1974)
- "Rafa", de João Salaviza (Portugal, 2012)
- "História Trágica com Final Feliz", de Regina Pessoa (Portugal, 2005)
- "Luzes na Cidade", de Charles Chaplin (EUA, 1931)

Programa para o 11º ano:
- "Os 400 Golpes", de François Truffaut (França, 1959)
- "Senhor X", de Gonçalo Galvão Teles (Portugal, 2010)
- "A Esquiva", de Abdellatif Kechiche (França, 2004)
- "Belarmino", de Fernando Lopes (Portugal, 1964)
- "Fado Lusitano", de Abi Feijó (Portugal, 1995)

Programa para o 12º ano:
- "Os Respigadores e a Respigadora", de Agnès Varda (França, 2000)
- "Viagem à Lua", de Georges Méliès (França, 1902)
- "Os Salteadores", de Abi Feijó (Portugal, 1993)
- "A Cortina Rasgada", de Alfred Hitchcock (EUA, 1966)

 

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

SUGESTÃO DE LEITURA (23)



Informação sobre o autor e a sua obra no Portal da Literatura  e em Domínio Público - Biblioteca Digital

DO TÍTULO

Uma noite dessas, vindo da cidade para o Engenho Novo, encontrei no trem da Central um rapaz aqui do bairro, que eu conheço de vista e de chapéu. Cumprimentou-me, sentou-se ao pé de mim, falou da lua e dos ministros, e acabou recitando-me versos. A viagem era curta, e os versos pode ser que não fossem inteiramente maus. Sucedeu, porém, que como estava cansado, fechei os olhos três ou quatro vezes; tanto bastou para que ele interrompesse a leitura e metesse os versos no bolso.
- Continue - disse eu acordando.
- Já acabei - murmurou ele.
- São muito bonitos.
Vi-lhe fazer um gesto para tirá-los outra vez do bolso, mas não passou do gesto; estava amuado. No dia seguinte entrou a dizer de mim nomes feios, e acabou alcunhando-me Dom Casmurro. Os vizinhos, que não gostam dos meus hábitos reclusos e calado, deram curso à alcunha, que afinal pegou. Nem por isso me zanguei. Contei a anedota aos amigos da cidade, e eles, por graça, chamam-me assim, alguns em bilhetes: «Vou para Petrópolis, Dom Casmurro; a casa é a mesma da Renânia; vê se deixas essa caverna do Engenho Novo, e vai lá passar uns quinze dias comigo.» - «Meu caro Dom Casmurro, não cuide que o dispenso do teatro amanhã; venha e dormirá aqui na cidade; dou-lhe camarote, dou-lhe chá, dou-lhe cama;  só não lhe dou moça.»
Não consultes dicionários. Casmurro não está aqui no sentido que eles lhe dão, mas no que lhe pôs o vulgo de homem calado e metido consigo. Dom veio por ironia,  para atribuir-me  fumos de fidalgo. Tudo por estar cochilando! Também não achei melhor título para a minha narração; se não tiver outro daqui até ao fim do livro, vai este mesmo. O meu poeta do trem ficará sabendo que não lhe guardo rancor. E com pequeno esforço, sendo o título seu, poderá cuidar que a obra é sua . Há livros que apenas terão isso dos seus autores, alguns nem tanto.

ASSIS, Machado de - Do Título. In Dom Casmurro. Alfragide: D. Quixote, 2009. ISBN 978-972-20-3746-4. Cap. 1, p. 13-14.


Requisite o livro na Biblioteca Escolar.  Boa leitura!


FERNANDO PESSOA PELAS NOVAS VOZES DA POESIA

Todas as informações daqui..


quarta-feira, 19 de setembro de 2012

LITERATURA E CINEMA OU VICE-VERSA?

Foto e legenda da autoria de Lia Costa Carvalho, daqui.





Godard dit qu’entre cinéma et littérature,
«on est dans deux trains qui se croisent sans arrêt».

Jean-Louis Leutrat, “Deux trains qui se croisent sans arrêt”,
in Cinéma et littérature, le grand jeu, sous la direction de Jean-Louis Leutrat, Grenoble, De l’Incidence Editeur, 2010, p. 12.




Ao serem visionados, alguns filmes têm o condão de acordar zonas mais ou menos adormecidas na região das memórias literárias. Isso não acontece, por vezes, durante o primeiro visionamento, nem no momento do segundo, é preciso, em alguns casos, fazerem-se outras revisitações, como se o filme teimasse em não se mostrar por completo a quem o vê, pelo menos nos aspetos que com ele se relacionam, ou, em outras circunstâncias, como se a memória já estivesse arrumada em arquivo moribundo e se recusasse a ser incomodada no seu escaninho. De todas as formas, o despertar dessas memórias ocorre apenas quando o objeto fílmico se adensa, ganhando uma espessura semântica capaz de se fazer ecoar na bagagem literária do sujeito. Aparece, aqui, o leitor/ espectador-autor – aquele que, no momento da receção, a jusante da obra artística, com a sua leitura e o seu olhar, participa, junta uma adenda, o seu constructo, e contribui, dessa forma, para o estabelecimento de um modo novo de ler a literatura e o cinema.
Vem-me à memória o filme Bom Povo Português (Rui Simões, 1980), que despertou em mim, no momento em que o vi pela segunda vez, uma ponte semântica, com o seu primeiro pilar principal neste filme e apoiando o segundo na obra literária Levantado do Chão (José Saramago, 1980). O espoletar do reconhecimento, neste caso da cena inaugural do filme, um parto aparentemente real, numa obra literária ou, antes, naquilo que de simbólico têm nela a personagem Maria Adelaide Espada e alguns dos quadros narrados, impeliu-me, num movimento de aproximação tanto ao filme como ao livro, a empreender, num e noutro "comboio", ao longo do percurso que fazem e no momento em que se cruzam,  uma busca minuciosa de outras identidades comuns que permitissem um diálogo entre as duas artes.
O facto de o filme assinado por Rui Simões não poder ser etiquetado como filme de ficção (embora nele encontremos laivos de alguma liberdade criadora), mas, sim, como um documentário que pretende deixar registados alguns dos momentos mais importantes do tempo em que então se vivia (figurando um passado ainda muito recente) em Portugal e fora de portas, e de a obra de José Saramago poder ser lida como um texto poético (como se de um poema épico se tratasse no que ao assunto diz respeito – metonimicamente, a saga de uma família que está para todo um povo –, não respeitando, bem entendido, os aspetos formais do género) levou-me a esta referência.
Se não se soubesse que tanto o livro como o filme datam do mesmo ano, poder-se-ia aventar a possibilidade de o escritor se ter inspirado no filme para escrever o seu livro. A presença do cinema na literatura fica, neste caso, excluída. De igual forma, o contrário poderia ter sido, ainda que remotamente, uma eventualidade. O que, uma vez mais, não aconteceu. Embora o filme tenha sido começado em 1976 (curiosamente o mesmo ano em que o autor de Levantado do Chão se vê obrigado a abandonar as funções que desempenhava no Diário de Notícias e se refugia em Lavre, Montemor-o-Novo, com a intenção de pôr em formato de livro o Alentejo e a sua gente), só foi estreado em 1980, na Figueira da Foz, tendo, mais tarde e ainda nesse mesmo ano, sido projetado em São Paulo e em Cartagena (Colômbia). A impressão de haver uma evidência à partida – Saramago inspirado por Rui Simões – revelou-se falaciosa (o realizador garante ter mostrado montagens do filme, entre 1976 e 1980, mas não a José Saramago, escritor que não conhecia nessa época); da mesma forma, a possibilidade de os pontos comuns encontrados serem explicados por influência inversa – Saramago inspirador de Rui Simões – é também refutada pelo próprio realizador.
Está-se, assim, em presença de duas obras, filme e livro, concebidas e realizadas sem que se registassem influências de um ou de outro lado. Fica a ideia de que o que as motivou foi assaz forte e falou suficientemente alto para inspirar um realizador e um escritor a expressarem, cada um à sua maneira, é certo, uma mesma realidade. A forma como o fizeram, sublinhando alguns aspetos comuns a ambos, identificando-se com certas temáticas, leva-me a concluir que poderá haver duas leituras semelhantes do mesmo fenómeno, por pessoas distintas, com diferenciadas formas de expressão. Aqui a literatura e o cinema não se cruzaram a meio do trajeto, mas encontraram-se na estação, quando os respetivos comboios estavam ainda lado a lado.


IBIBLIOTHEQUE

Imagem daqui.
 
Para os amantes da literatura francesa, aqui fica a referência de uma biblioteca virtual, de acesso gratuito. As obras poderão ser lidas na íntegra ou delas serem ouvidos excertos sonoros.
 
Objetivo: levar as novas gerações a conhecerem os grandes clássicos desta literatura, usando os mais modernos suportes tecnológicos.
 
 
Agradecemos à Luisinha Bazenga esta partilha generosa.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

MÚSICA DO MUNDO

Foto de Yannis Psathas, daqui.
 
 
A Womex, The World Music Expo, terá este ano lugar na Grécia, em Tessalónica, de 17 a 21 de outubro, juntando artistas de todo o mundo. Além da música, serão realizadas conferências, proferidas palestras e apresentados documentários sobre o assunto que dá o nome ao evento.
 

ANTÓNIO LOBO ANTUNES

Foto da autoria de Orlando Almeida, daqui.
  

Elogio do subúrbio
Cresci nos subúrbios de Lisboa, em Benfica, então quintinhas, travessas, casas baixas, a ouvir as mães chamarem ao crepúsculo
- Víííííííítor
num grito que, partido da Rua Ernesto da Silva, alcançava as cegonhas no cume das árvores mais altas e afogava os pavões no lago sob os álamos. Cresci junto ao castelito das Portas que nos separava da Venda Nova e da Estrada Militar, num país cujos postos fronteiriços eram a drogaria do senhor Jardim, a mercearia do Careca, a pastelaria do senhor Madureira e a capelista Havaneza do senhor Silvino, e demorava-me à tarde na oficina de sapateiro do senhor Florindo, a bater sola num cubículo escuro rodeado de cegos sentados em banquinhos baixos, envoltos no cheiro de cabedal e miséria que se mantém como o único odor de santidade que conheço. A dona Maria Salgado, pequenina, magra, sempre de luto, transportava a Sagrada Família, numa caixa de vivenda em vivenda, e os meus avós recebiam na sala durante quinze dias essas três figuras de barro numa redoma embaciada que as criadas iluminavam de pavios de azeite. Cresci entre o senhor Paulo que consertava com guitas e caniços as asas dos pardais, e os Ferra-O-Bico cuja tia fugiu com um cigano e lia a sina nas praias, embuçada de negro como a viúva de um marujo  que nunca deu à costa. Os meus amigos tinham nomes próprios tremendos
(Lafaiete, Jaurés)
e habitavam rés-do-chão de janelas ao nível da calçada onde se distinguiam aparelhos de rádio gigantescos, vasos de manjerico e madrinhas de chinelos. O cão da fábrica de curtumes acendia latidos fosforescentes nas noites de julho, quando o pólen da acácia me chovia nas pálpebras (…). Na época em que aos treze anos me estreei no hóquei em patins do Futebol Benfica, o guarda-redes enchumaçado como um barão medieval apontou-me ao pasmo dos colegas
- O pai do ruço é doutor
no que constituiu de imediato a minha primeira glória desportiva e a primeira tenebrosa responsabilidade, a partir do momento em que o treinador, a apalpar-me os músculos com os olhos, preveniu numa careta de dúvida
- Sempre estou para ver se lhes chegas ó ruço que o teu pai no ringue era lixado para a porrada.
O dono da Farmácia União jogava o pau, a esposa do proprietário da Farmácia Marques era uma grega sumptuosa de nádegas de ânfora e pupilas acesas, que me fazia esquecer a mulher de Sandokan ao vê-la aos domingos a caminho da igreja, o sineiro a quem chamavam Zé Martelo (…) possuía uma agência funerária cujo prospecto-reclame começava «Para que teima Vossa Excelência em viver se por cem escudos pode ter um lindo funeral?», e eu escrevia versos nos intervalos do hóquei, fumava às escondidas, uma das minhas extremidades tocava Jesus Correia e a outra Camões, e era indecentemente feliz.
Hoje, se vou a Benfica não encontro Benfica. Os pavões calaram-se, nenhuma cegonha na palmeira dos Correios
(já não existe a palmeira dos Correios, a quinta dos Lobo Antunes foi vendida)
o senhor Silvino, o senhor Florindo e o senhor Jardim morreram, ergueram prédios no lugar das casas, mas eu suspeito que por baixo destes edifícios de cinco e seis e sete e oito e nove andares, num ponto qualquer sob marquises e sucursais de banco, o senhor Paulo ainda conserta, com guitas e caniços, as asas dos pardais, a dona Maria Salgado ainda trota de vivenda em vivenda com a Sagrada Família na sua redoma embaciada, o Lafaiete e o Jaurés jogam ao virinhas na Calçada do Tojal (…). Não há pavões nem cegonhas e contudo a acácia dos meus pais, teimosa, resiste. Talvez que só a acácia resista, que só ela sobeje desse tempo como o mastro, furando as ondas, de um navio submerso. A acácia basta-me. (…)”
António Lobo Antunes, Livro de Crónicas, Lisboa, Dom Quixote, 1998.
 

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

NOVOS NA BE


Livros recentemente adquiridos para a Biblioteca Escolar.
Procure-os na estante das Novidades!

CONTOS À CONCERTINA

Foto e mais informações (incluindo a possibilidade de ouvir) aqui.
 
 
A Editora BOCA - palavras que alimentam, em parceria com o IELT, acrescentou mais um audiolivro à coleção HOT - Histórias Oralmente Transmissíveis. Trata-se de uma edição de oito contos - CONTATINAS - da autoria de Luís Correia Carmelo, que também os narra, acompanhando-os ao som da concertina. O projeto conta ainda com acompanhamento musical de Nuno Morão.
 

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

HOMENAGEM AOS ALUNOS E A SEBASTIÃO DA GAMA

L'écolier, Robert Doisneau (1956)
Foto daqui.

A todos os Alunos, Crianças, Jovens e Adultos,
a nossa dedicação


Florilégio feito a partir do Diário do Professor Sebastião da Gama, escrito durante o seu Estágio de Português, na Escola Veiga Beirão, no ano letivo de 1948-1949.
“Janeiro, 12
«O que eu quero principalmente é que vivam felizes.»
Não lhes disse talvez estas palavras, mas foi isto o que eu quis dizer. No sumário, pus assim: «Conversa amena com os rapazes.» E pedi, mais que tudo, uma coisa que eu costumo pedir aos meus alunos: lealdade. (…)

Março, 4
O que interessa mais que tudo é ensinar a ler. Ler sem que passe despercebido o mais importante – e às vezes é pormenor que parece uma coisinha de nada. (…) É também de interesse primário levar os rapazes a amar as palavras – mostrar como são cheias de beleza, outras como são engraçadas, outras como são doces. Ora para amar as palavras e para, a seguir, amar a leitura, é aconselhável, como diria La Palice, não fazer desamar as palavras, nem fazer desamar a leitura. Que amor terá uma criança por uma palavra que a fez suar, levar descomposturas, levar reguadas? (…)

Março, 18
(…) A respeito de números, lembra-me sempre aquela vez em que fui ao Orfanato falar com o meu amigo Manuel Calvinho, meu aluno nocturno de Francês. Perguntei: «O Calvinho está?» - «O 12, não é?» – «Não: O Calvinho. Então não basta não ter Pai nem Mãe, ainda lhe chamam um número?»
Eis aqui uma coisa a ensinar nas aulas de Português: que um homem é um homem.» (…)

Março, 30
Para ser professor, também é preciso ter as mãos purificadas. A toda a hora temos de tocar em flores. A toda a hora a Poesia nos visita.
O aluno acredita em nós e não deve acreditar em vão. Impõe-se-nos que mereçamos, com a nossa, a pureza dos alunos; que a nossa alimente a deles, a mantenha. (…)

Maio, 4
… Pois que pareça mentira; dei uma quase lição de gramática e eles prestaram atenção e até tomaram notas. O segredo é fácil de dar com ele: basta que a gente não lhes fale de coisas abstractas, de que eles não vêem a utilidade imediata, e que faça a aula brincando. (…)

Outubro, 22
O que era bom era dar sempre aulas como a de hoje! Vir da aula tão feliz que tivesse precisão de gritar ao primeiro desconhecido: - «Sabe? Dei hoje a melhor aula, a aula mais linda da minha vida!» (…)”
Sebastião da Gama, Diário, Lisboa, Edições Ática, 1990, pp. 23-168.
 

LER + JOVEM


Este Projeto desafia as escolas a procurarem estratégias que reaproximem os jovens do ensino secundário da leitura e ajudem o público adulto a descobrir o prazer de ler. Pretende-se, resumidamente, que os professores preparem e orientem alunos que façam promoção de leitura junto das comunidades locais, envolvendo -se eles próprios com a leitura. Assim, neste contexto, este Projeto visa:
 
  • dinamizar uma nova vertente de intervenção focalizada nos jovens adultos do Ensino Secundário e na população adulta;
  • aproveitar redes já existentes no terreno e outros recursos disponíveis;
  • desenvolver investigação que fundamente linhas orientadoras de uma intervenção capaz de responder adequadamente aos interesses dos jovens na área da leitura;
  • promover projetos relacionados com a formação de professores e de outros intervenientes na área da leitura;
  • reforçar a ligação à sociedade civil e às comunidades locais, incentivando a sua participação em projetos de promoção da leitura;
  • divulgar orientações de práticas de leitura, estudos e documentação relacionados com a promoção da leitura junto dos jovens e dosa adultos.
 
Fonte: Plano Nacional de Leitura
 

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

LITERATURA PORTUGUESA NO RIO DE JANEIRO

Real Gabinete Português de Leitura
Imagem daqui.
 
 
Serão proferidas duas palestras sobre a poesia portuguesa contemporânea e sobre Gil Vicente, no Real Gabinete Português de Leitura, no Rio de Janeiro. A primeira, "A Poesia Portuguesa: uma heterodoxia - os anos 2000 a 2012 ou sete poetas de agora", proferida pelo ensaísta António Carlos Cortez, decorrerá hoje, dia 13 de setembro, às 14h30, e a segunda, a que se chamou "Perguntas a Gil Vicente (ainda por responder)", da responsabilidade do Professor José Augusto Cardoso Bernardes, da Universidade de Coimbra, terá início às 14h30 do dia 17 de setembro.
 
A entrada é livre.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

ANO DO BRASIL EM PORTUGAL

 
Imagem daqui.

 
"Provocar, encantar e ampliar o olhar lusitano sobre a nossa música e sobre o brasileiro. Essa é a proposta do Ano do Brasil em Portugal. Por isso vamos abrir a programação em grande estilo, levando para as ruas de Portugal todo o batuque e a arte brasileira, com shows, exposições, apresentações e muito mais, preparando o público para 10 meses de muita alegria."
 
Um especial destaque vai para as oficinas de "Poesia Falada", para a oficina de teatro de Nelson Rodrigues, para o Colóquio Internacional dos 100 Anos de Jorge Amado e para a homenagem ao centenário de Vinicius de Moraes.
 
Estas e outras informações poderão ser consultadas em http://www.anobrasilportugal.com.br/brasil-portugal/
 
 

ANO DE PORTUGAL NO BRASIL

 
 
Selos da emissão conjunta feita pelos CTT de Portugal e ECT do Brasil, celebrando os poetas Fernando Pessoa e Cruz e Sousa.
 
O Ano de Portugal no Brasil e do Brasil em Portugal é uma iniciativa oficial que tem em vista o estreitamento de relações entre os dois países, através da promoção da cultura e do fomento das relações comerciais.
 
O Ano já começou no dia 7 de setembro de 2012, dia da Independência do Brasil, e terá o seu termo no dia 10 de junho de 2013, dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas.
 
Portugal programou várias iniciativas em diferentes cidades do Brasil, destacando-se exposições, concertos, um circuito de teatro português, uma mostra de gastronomia e o 1º Congresso de Geologia dos Países de Língua Portuguesa.
 
Para mais informações, consulte a página oficial em http://anodeportugalnobrasil.pt/
 
 

FILOTECTES

Ulisses e Neoptólemo arrancam a Filoctetes as flechas de Hércules, François-Xavier Fabre (1800)
Imagem daqui.


Introdução
O Filotectes (409 a.C.) baseia-se no contraste entre três figuras, duas que se opõem frontalmente, Filotectes e Ulisses, e uma terceira que é atraída ora para a esfera de um, ora para a esfera do outro, Neoptólemo. Filotectes, o homem abandonado que a solidão e o sofrimento endureceram, sem lhe destruírem a sensibilidade; Ulisses, o político sem escrúpulos morais que age pelo oportunismo e interesse e utiliza quaisquer meios para atingir os seus objectivos; Neoptólemo, o jovem ingénuo, bom e generoso, que aprende com as situações embaraçosas, e sofre uma visível transformação psicológica. Da correlação de forças entre estas três personagens nasce e se desenvolve a acção. (…)
Um (…) aspecto que se encontra corporizado na figura de Neoptólemo e que talvez derive mesmo da realidade da época (…) é o de saber até que ponto um soldado deve seguir as ordens injustas do chefe, as ordens que a sua consciência desaprova. Deve obedecer, sabendo que são injustas, ou desobedecer, incorrendo, por isso, numa falta militar? É o velho problema da disciplina do exército: na opinião de Ulisses, o soldado, para maior eficiência, deve obedecer cegamente às ordens dos seus chefes. (…) No Filotectes, Sófocles toma nitidamente partido pela desobediência, pela autonomia da consciência individual e pela transcendência de valores: Neoptólemo, embora tema ser considerado um traidor, se desobedecer, e apesar de Ulisses lhe lembrar que está sob as suas ordens, acaba realmente por desobedecer (…).
Filoctetes, Ulisses e Neoptólemo – três figuras que corporizam altos problemas morais, sociais e educativos. No seu confronto, assistimos à vitória da justiça, quer através da derrota total dos que usam da injustiça, quer através da recompensa dos deuses ao homem que longo tempo a sofreu e que recebe armas para fazer prevalecer a sua vontade contra todas as pressões, venham elas dos homens ou do poder.”
Sófocles, Filotectes, tradução, introdução e notas de José Ribeiro Ferreira, Lisboa, Edições 70, 2005, p. 11-30.
 

terça-feira, 11 de setembro de 2012

BANCO DE MANUAIS ESCOLARES (II)


Fotografia do professor Martinho Rangel

O que é? 
Um projecto de partilha e reutilização de manuais escolares. 

Que objectivos?
  • Promover a reutilização dos livros escolares;
  • Diminuir os custos de aquisição de manuais escolares por parte das famílias;
  • Incentivar práticas de protecção e educação ambiental;
  • Desenvolver o sentido de partilha e solidariedade social. 

Que manuais entregar? 
Somente manuais que estejam em vigor na Escola Secundária José Saramago - Mafra.
No site da escola e na biblioteca escolar podem ser consultadas as listas de manuais em vigor.

Onde entregar? 
Na biblioteca da escola.

Quem pode ter acesso aos manuais?
Todos os alunos da escola.

Onde procurar os manuais de que necessita? 
Na biblioteca da escola. 

Como saber que manuais estão disponíveis? 
A lista de manuais existentes  no Banco de Manuais Escolares estará disponível no site da ESJS.


Traga os manuais escolares que já não utiliza e troque-os por aqueles de que necessita.

Divulgue este projecto.