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Escola Secundária José Saramago - Mafra

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

SALOIOS III

Imagem daqui.

“I- O que são Saloios, e sua origem:
Segundo a magistral explicação dada pelo Prof. David Lopes em 1917, o vocábulo Saloio ou Çaloio (melhor grafia) é de origem arábica, e significa fundamentalmente «habitante do campo, em oposição ao da cidade: apelidação, pois, de desdém com que a gente polida da cidade designava a população inculta dos campos, campónio, enfim».
Concorda na essência com este étimo a significação que sempre se atribuiu a Saloio: «o agricultor do termo de Lisboa, que traz a vender os frutos e pão à cidade» (Morais).
E o mesmo étimo justifica, em parte, a menção que todos, ou quási todos, os que têm falado dos Saloios fazem, de que eles provêm dos Mouros, que D. Afonso Henriques, após a conquista de Lisboa (1147), deixou ficar em seus lugares e fazendas, mediante certo tributo que lhe pagariam (Mouros forros). Digo em parte, porque há-de entender-se que em Lisboa e arredores não havia então somente Mouros, havia ao mesmo tempo Cristãos, isto é, Moçárabes, que constituíam a população autóctone. Mais claro: a primitiva gente de que provieram os Saloios, regulando-nos pelo étimo, constava pois de Mouros e Cristãos. E até observa Herculano que, quanto à população da cidade e arredores, depois da reconquista, o elemento cristão, pelo decurso dos tempos, absorveu em si o mourisco. Muitas pessoas desconhecem ou esquecem tudo isto com frequência.
Custa igualmente a crer que certos autores, como Alberto Pimentel, se comprazam em afirmar que o Saloio «tem muito de Mouro, alguma cousa de Berbere…, é Africano de origem, e os seus hábitos de vida, as suas tendências hereditárias ainda hoje o revelam». Tudo fantasias. Para se definir o tipo físico dos Saloios necessita-se de que a Antropologia diga alguma cousa; e os nossos antropólogos ainda não falaram a tal respeito.
Pimentel parte de premissas não provadas, e tudo quanto deduz delas padece do defeito original. Dá como próprios dos Saloios trajos, costumes, vocábulos, que se encontram, mais ou menos, por toda a parte. A própria nora existe no Sul do Tejo. (…) Não são somente as Saloias que trabalham duramente no campo; as Minhotas trabalham por igual, e é cousa sabida que por todo o Portugal a mulher toma parte na vida agrária, e isso já se documenta na época romana, quanto aos Galecos. (…)
Da etimologia descoberta e justificada pelo D.r David Lopes, e do uso do vocábulo, resulta que Saloio não passa, originariamente, de alcunha, imposta primeiro pelos Árabes, e depois adoptada pelos Cristãos, e continuada na linguagem até hoje. (…)
O haver entre nós tantas alcunhas étnicas não me fez hesitar em escolher para título do presente discurso uma expressão em que entrasse o vocábulo Saloios: com efeito, Saloios é agora mais que alcunha, é designação étnico-geográfica, que perdeu ou atenuou a primitiva acepção de acrimónia, e se aplica a uma área tradicional, determinada, e não vaga, que data de tempos muito remotos, e com a qual os respectivos indivíduos não se ofendem, quando empregada a sério. Ouve-se a cada passo: morar nos Saloios ou lá para ao Saloios, ir aos Saloios, ou para os Saloios, vir dos Saloios. Eles próprios (…) adoptam a palavra na qualificação de cousas suas. De um povo itálico, os Sabinos, que confinava com os Latinos, diziam os Romanos: ex Sabinis, in Sabinis. (…)”
José Leite de Vasconcelos, “Os Saloios (na Estremadura Cistagana)”, in Etnografia Portuguesa, vol. III, pp. 271-274.

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