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Escola Secundária José Saramago - Mafra

quinta-feira, 31 de maio de 2012

A ESCOLA DO POETA - Rabindranath Tagore

"Ninguém pode ensinar se não mantém viva a criança na sua própria alma"
Rabindranath Tagore (1861-1941)

Aula ao ar livre em Santiniketan

“Hoje em dia, a escola que foi fundada por Rabindranath Tagore chama-se Patha Bavana. A escola, originalmente conhecida como a Brahmacharyāshrama, comemorou o seu centenário há dez anos. É uma escola bastante grande, atrai estudantes de todo o estado de Bengala e é uma instituição com uma óptima reputação. É um modelo que outras escolas procuram emular. Todavia, a escola teve um começo bastante modesto. Em Dezembro de 1901 Tagore fundou a escola com apenas cinco alunos; um deles era o seu próprio filho.
No início do século XX Tagore já era um poeta conhecido. Então por que quis fundar uma escola? Os peritos têm diferentes opiniões. Alguns acreditam que a experiência trágica que Tagore teve com o sistema de educação, que se baseava nos modelos britânicos, podia ser a razão. Outros afirmam que quis fundar uma escola porque estava a pensar na educação dos seus próprios filhos. Ainda outros crêem que ele era um visionário no sector da educação e que quis estabelecer uma escola que pudesse servir como modelo.
É possível que todas essas explicações tenham um elemento da verdade. Mas uma coisa é clara: Tagore quis que a sua escola fosse semelhante a um tapovana (retiro para ascetas) da Índia antiga. Será que isso significa que ele quis voltar ao passado? Não. Tagore era demasiado moderno para afastar a actualidade.
Aquilo que Tagore quis adoptar da ideia de um tapovana era: (a) uma proximidade da natureza, longe da confusão e do caos da vida urbana; (b) uma forte relação entre o mestre (…) e os seus discípulos – num ambiente de uma grande família; (c) a busca para alcançar uma verdade superior – uma coisa mencionada em diferentes textos dos upanishadas da Índia antiga.
Assim, transferiu-se de Calcutá para um sítio chamado Santiniketan (…). Santiniketan era um sítio longe das cidades caóticas; não havia nenhuma barreira entre a natureza e o homem. As crianças podiam sentir o impacto das diferentes estações; ficavam molhados durante as chuvas das monções, banhavam-se ao sol e gozavam as noites de luar.
Juntamente com os habituais assuntos académicos, as crianças tinham aulas de música e dança, vários tipos de artesanato e peças dramáticas na escola. Jogavam à tarde. Tagore acreditava que o homem nasce neste mundo com apenas um conselho de Deus – que é - «Exprime-te!». Por isso, aos alunos da escola era-lhes permitido exprimir-se através das melodias e dos ritmos, das linhas e das cores, e através da dança e do drama. (…) Essa auto-expressão também era encorajada nas aulas e não uma recitação mecânica das perguntas e as suas respostas. Os alunos eram encorajados a fazer actividades com as suas mãos nas aulas de artesanato e nas aulas de jardinagem. Tagore acreditava que mesmo os estudantes menos brilhantes podiam melhorar se trabalhassem com as suas mãos (…).
Tagore pensava que as crianças tinham uma tripla relação com o seu ambiente, especialmente no contexto da relação entre a Natureza e o Homem.
Ao nível mais baixo as crianças aprendiam a usar o seu ambiente. Isso era o nível de karma (acção). O homem usa o seu ambiente para ganhar a sua vida – tem que cultivar o terreno, construir a sua casa, tecer as suas roupas. Por isso, as crianças tinham de receber formação em várias actividades físicas. No próximo nível tinham de compilar conhecimentos sobre o seu ambiente, tinham de procurar regras e correlações naturais e chegar a conclusões. Tinham de encontrar a unidade num mundo de diversidade. Só então é que podiam alcançar o verdadeiro jnāna ou «conhecimento».
Ao nível mais alto era prema (amor) que unia um indivíduo à natureza e ao mundo humano. Através desse amor o indivíduo perde a sua identidade e funde-se com o mundo. Na escola do poeta todas essas relações eram encorajadas. (…)
Tagore também acreditava que nenhum desses três níveis podia ser ignorado para assegurar um desenvolvimento completo da personalidade. Era essencial prestar atenção adequada a karma, jnāna e prema para assegurar um crescimento completo do homem.
Não se pode ensinar as melhores coisas na vida numa aula. Os alunos absorvem essas lições do ambiente ou das figuras ao seu redor. Tagore cria que todas as crianças já tinham essas qualidades. Por isso, era essencial criar um bom ambiente na escola para encorajar as qualidades latentes nas crianças. Embora os alunos crescessem no meio da natureza, essa proximidade não era suficiente. Tinha que ser um encontro ciente.
Santiniketan era um sítio lindo com grandes e frondosas mangueiras e outras árvores frutíferas, sob as quais os alunos tinham as suas aulas. Altas árvores de sal (Shorea robusta) asseguravam sombra às avenidas. As crianças cuidavam dos seus próprios jardins e hortas e o currículo incluía aulas sobre a natureza. Estudavam as árvores, os pássaros e os insectos na escola. (…)
De manhã as crianças assistiam ao serviço semanal na sala das orações. O serviço não tinha nenhuma denominação formal – não favorecia nenhuma das religiões dominantes. (…) Uma vez perguntaram a Tagore se ele tinha algum conselho sobre o tipo de formação religiosa que devia ser ensinada nas escolas. Respondeu enfaticamente que não devia haver nenhuma educação religiosa nas escolas. Em vez disso, era necessário criar um «sentido de infinidade» nas mentes das crianças. Era essencial ensinar-lhes que somos parte de uma criação muito vasta e maravilhosa e que deviam respeitar e admirar essa infinita criatividade. (...)
Supriyo Tagore, “A escola do poeta”, in Rabindranath Tagore, volume comemorativo (edição em Português), Departamento da Diplomacia Pública, Ministério dos Negócios Estrangeiros, Governo da Índia, Nova Deli, 2011

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